terça-feira, 9 de março de 2010

"Saudades..."

" O TEMPO PASSOU E ME FORMEI EM SOLIDÃO"

José Antônio Oliveira de Resende

Professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do
Departamento de Letras, Artes e Cultura,

da Universidade Federal de São João del-Rei.


Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe
mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido.
Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite.

Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo.
E os donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.

*** OLHA O COMPADRE AQUI, GAROTO! CUMPRIMENTA A COMADRE.***

E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos.
Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.

***MAS VAMOS NOS ASSENTAR, GENTE. QUE SURPRESA AGRADÁVEL!***

A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre.
Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre.

Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro... casa singela e acolhedora.
A nossa também era assim.

Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras.
Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes.

Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha ?
geralmente uma das filhas ? e dizia:

*** GENTE, VEM AQUI PRA DENTRO QUE O CAFÉ ESTÁ NA MESA.***

Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos,leite... tudo sobre a mesa.

Juntava todo mundo e as piadas pipocavam !
As gargalhadas também. Pra que televisão? Pra que rua? Pra que droga?
A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança...
Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam....
Era a vida ! transbordando simplicidade, alegria e amizade...

Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que
virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa,
caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida.
Era assim também lá em casa,recebíamos as visitas com o coração em festa..
A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... até que sumissem no horizonte da noite.

*O TEMPO PASSOU E ME FORMEI EM SOLIDÃO*

Tive bons professores: Televisão, Vídeo, DVD, MP3 .E-mail...
Cada um na sua e ninguém na de ninguém.
Não se recebe mais em casa.

Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:

*** VAMOS MARCAR UMA SAÍDA!..***?
Ninguém quer entrar mais.

Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem
epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas.
Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.

Casas trancadas.. Pra que abrir? O ladrão pode entrar e
roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas,
do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos do leite...

Que saudade do compadre e da comadre!




Enviado por:Adelino Antelo

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