quinta-feira, 7 de maio de 2009

O nosso retrato

O clássico das histórias de terror e da literatura mundial, o retrato de Dorian Gray, escrita por Oscar Wilde, é um questionamento à juventude, em conseqüência, à beleza e aos costumes. Publicado pela primeira vez em 1891, foi tachado pela crítica como “envenenador de costumes”. Em resumo a obra fala de um rapaz que ao ver seu retrato pintado, indaga a possibilidade de permanecer jovem enquanto seu retrato absorveria toda a ação do tempo. Seu desejo é atendido. Então Dorian Gray começa a viver a vida de forma diferente. O eternamente jovem não tem limites, se torna mal e egoísta, e quando novamente se confronta com seu retrato e percebe toda a experiência de sua vida marcada na face da pintura, começa a questionar-se sobre seu comportamento. A obra termina com o enlouquecimento de Dorian, que acaba esfaqueando o retrato. A cada golpe, Dorian é quem sofre as conseqüências. Acaba morto e desfigurado, enquanto seu retrato rejuvenesce.

Essa é realmente uma obra atemporal e, acredito ser sobre a cegueira do jovem perante a vida, ou daqueles que se acham eternamente jovens. Falando em cegueira lembro-me de outra obra - Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago - e uma frase no inicio do livro “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara” É uma obra que nos faz enxergar. Percebemos que na obra de Oscar Wilde, tudo faz sentido quando o personagem se confronta com seu retrato e vê a ação do tempo na face da pintura, então ele percebe que estava cego todo esse tempo. Tanto na obra de Saramago quanto na de Oscar Wilde, acredito que começar a ver, a enxergar é com certeza a grande lição.

No ensaio de José Saramago o que levou os personagens a enxergar realmente, foi literalmente a cegueira. Apenas uma mulher não perdeu a visão e, essa mulher viu o que nós leitores vimos ao ler o livro. Então essas são as duas formas que o autor nos propõe para enxergarmos a nossa volta à beleza da vida. No romance de Oscar Wilde, o retrato envelhecido de Dorian é o sino que nos acorda para a realidade, o momento pelo qual o personagem e nós, leitores, começamos a enxergar realmente.

Eu fui tocado pelas reflexões expostas no livro de Saramago. Confesso que passei a ver a vida de forma diferente, sem pessimismo ou otimismo, só olhando a beleza do seu movimento. Mas eu não estava satisfeito, queria ver meu “retrato”. Onde ele estaria escondido? Como encontrá-lo? Eu ainda estaria cego? É realmente eu ainda estava cego. A visão só me veio depois, quando eu já tinha quase esquecido da procura e, cansado de tatear as paredes em busca do meu retrato, ele esbarrou em mim.

Eu estava fazendo aquelas manutenções corriqueiras do lar, quando foi necessária a presença de um ajudante. O mais perto de mim era meu pai, e foi a ele que eu recorri. Começamos a executar a tarefa, quando... Eu olhei para o meu pai e vi. Eu vi meu pai, eu o enxerguei, não sei se pela primeira vez, ou se eu já tinha enxergado antes e tinha me esquecido. Era estranho... Aquele monte de rugas, aqueles olhos fundos, vazios, pareciam me olhar também, acusando-me de nunca olhá-los e me assustando como os olhos de um retrato. Parecia que não adiantava mudar de posição, eles me seguiriam. Isso aconteceu muito rápido, mas foi suficiente para eu entender toda a grandeza do momento. Eu via. Eu enxergava agora a ação do tempo, não só em meu pai, mas em mim também. Eu enxergava a vida em mim. E quantos retratos eu tinha a minha volta, minha mãe, meus irmãos, meus amigos, meus objetos, a pessoa que eu amo, em tudo estava a luz que nos permiti ver. Ah! Quanto tempo eu fui egoísta e acreditei que minha juventude era eterna, que minha beleza e força eram tudo. Quanta arrogância meu Deus! É realmente de enlouquecer.

Aceleramos nossa vida. E o que acontece quando aceleramos? Quanto mais rápido, menor é nosso campo de visão. Isso aprendemos na auto-escola e, é certo. Então convido você a deixar a velocidade de lado, a abrir a janela do carro da vida e apreciar a paisagem, a beleza e sabedoria de cada segundo.


Márcio André
Castanhal 02 de maio de 2009.

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